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Retomar o busão é possível

Um controle popular do transporte coletivo de BH

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Vamos começar com um fato: a tarifa do ônibus é cara. Seja em Belo Horizonte, nas cidades da Região Metropolitana de BH, nos ônibus intermunicipais ou em outras cidades do Brasil. A tarifa não só é cara, como o serviço é precário. E o roteiro só piora.

O ano de 2018 foi marcado pela demissão e retirada ilegal dos cobradores. Além de tirar o emprego de muita gente, o que isso trouxe para a qualidade do serviço? Filas enormes para entrar nos ônibus, motoristas sobrecarregados exercendo dupla função, colocando a si e aos passageiros em risco, dificuldade de pessoas com mobilidade reduzida para utilizar os ônibus. Neste ano houve também a redução de horários em várias linhas, ou mesmo a extinção e fusão de linhas, com perda no número total de viagens.

O que está acontecendo, e o que podemos fazer para reverter esse que parece um caminho sem volta de aumentos tarifários constantes e qualidade em queda? Será que a tarifa poderia ser menor?

Como é calculada a tarifa?

A auditoria do Kalil e seus problemas

O prefeito Alexandre Kalil, durante sua campanha eleitoral, prometeu realizar uma auditoria para abrir “a caixa preta da BHTrans”, condição prévia, segundo o próprio, para eventual alteração do preço da passagem. O edital para sua realização foi lançado em 2017. No formato proposto pela Prefeitura, a tal auditoria seria, provavelmente, uma mera repetição da Verificação Independente realizada no governo Lacerda em 2014. Havia muitos problemas na verificação de 2014, como foi apontado pela Auditoria Cidadã da Dívida, pelo Tarifa Zero BH e pelo Nossa BH, dentre outros movimentos. É fundamental lembrar que a verificação independente é prevista no atual contrato de concessão, na cláusula 22.

Assim que o governo Kalil lançou o edital para a auditoria, o Tarifa Zero BH se dedicou a analisá-lo e a pensar alternativas para que a auditoria fosse “de verdade”. Fizemos oficinas, aulões e um site, o Tarifômetro, para discutir o assunto. Todos esses esforços foram ignorados pelo poder público, principalmente a demanda por participação popular no processo de auditoria.

Um processo de auditoria é algo de interesse público. Temos o direito de saber para onde vai o dinheiro da tarifa que pagamos - dinheiro que sustenta todo o sistema. Por isso o processo deve ser o mais aberto e transparente possível.

O atual governo, porém, escolheu realizar uma auditoria nos mesmos moldes da anterior, com a mesma metodologia, analisando as mesmas coisas e incorrendo nos mesmos erros. No fim das contas, essa auditoria, assim como a Verificação Independente de 2014, legitima um sistema que as empresas utilizam para justificar reajustes na tarifa, a partir de suas próprias tabelas de custos e lucros esperados.

Apesar de o prefeito Alexandre Kalil ter dito que a sociedade civil e os movimentos sociais poderiam, sim, participar do processo, isso não aconteceu. Ao fim do processo, foi instaurada uma comissão para a qual foram convidados alguns vereadores e vereadoras, a FIEMG, o próprio SETRA-BH (o sindicato das empresas de ônibus!) e mais ninguém. Não a sociedade civil. Não os movimentos sociais, ONGs, pessoas e grupos interessados. Nem o Ministério Público, a Defensoria Pública, professores universitários que estudam o tema, ninguém.

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Calcular a tarifa

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Reajustar a tarifa

Das inúmeras coisas que a tal auditoria não vai fazer, talvez a principal delas seja não calcular a tarifa. Como assim? Simplificadamente, para calcular a tarifa, divide-se o custo total do sistema de ônibus pelo número médio de passageiros que o utilizam. Acontece que, em BH, a tarifa não é calculada assim. Temos uma fórmula, chamada paramétrica, que reajusta a tarifa de um ano para o outro baseada em alguns índices, como o da inflação do custo de mão de obra e de veículos. Ela não verifica os custos reais das empresas de ônibus: se as empresas gastam menos, a população não paga uma tarifa menor por isso. Nesse sistema, que vigora desde 2008, a tarifa diminuiu somente uma vez, em 2013. Isso aconteceu por causa das mobilizações sociais e não porque a tarifa foi recalculada. Na verdade, as empresas dizem gastar muito para fazer o sistema funcionar e, por isso, sempre pedem aumento. A população é penalizada pela ineficiência operacional das empresas.

Calcular a tarifa é fundamental, porque é através desse mecanismo que entendemos quanto custa o sistema, quanto dinheiro passa por ele e como seria possível torná-lo mais eficiente e com maior qualidade. Para calcular a tarifa existe uma metodologia elaborada pelo Ministério dos Transportes, chamada GEIPOT (1996), que avalia quais são os custos do sistema e como eles devem ser contabilizados na tarifa. Essa metodologia busca dar precisão e transparência para o sistema, calculando quais custos devem ser considerados na fixação da tarifa, evitando assim que se incorra no famoso problema das "caixas pretas". Até 2008, ela guiava o cálculo da tarifa em BH, mas foi substituída pela fórmula paramétrica.

Vendo a perspectiva de mais uma “auditoria” inofensiva, como aconteceu em outras cidades, decidimos, então, calcular a tarifa. Nos juntamos a outras pessoas e entidades, fizemos oficinas, aprendemos. Pedimos documentos à BHTrans e ao poder público via Lei de Acesso à Informação e contamos com um técnico para trabalhar a metodologia GEIPOT e suas alterações e atualizações. E chegamos ao valor de R$ 3,45. Isso significa que, apenas em 2017, as empresas obtiveram mais de 179 MILHÕES DE REAIS praticando um preço abusivo nas tarifas de ônibus.

Tudo isso, sem considerar as numerosas economias que as empresas de ônibus conseguem fazer porque seus donos são também donos de oficinas mecânicas, postos de gasolina e assim por diante.

Isso levanta muitas questões sobre o trabalho da auditoria e sobre a relação entre poder público e empresas concessionárias. Afinal, como eles calcularam os custos? Será que só recolheram os dados fornecidos pelo próprio SETRA ou fizeram pesquisas de mercado? Qual metodologia usaram, por exemplo, para entender se garagens são investimentos ou custos? Por que em 2015 a prefeitura permitiu dois reajustes, quando havia sido feita uma verificação (que já concedia um aumento extraordinário) no ano anterior? Será que a mesma coisa pode acontecer no ano que vem? Questões que, à época do edital, vimos serem importantes discutir de forma aberta, transparente e participativa.

Entender o sistema para pensar em outros possíveis!

A questão principal que o nosso cálculo levanta, porém, é outra: o valor da tarifa é uma decisão política. A começar pela forma como decidimos calcular a tarifa, passando por quem deveria pagar, se deveria ter empresas concessionárias e como remunerá-las.

Nenhuma questão é puramente técnica; nada é dado, imutável. Assim como para muitas outras coisas, tudo que envolve decisões em relação ao transporte é político. A forma atual de calcular a tarifa, que é sempre um reajuste a partir de índices, privilegia o empresariado: nela, tudo são custos com os quais nós, usuários, temos que arcar. Não há controle social. Não há subsídio público à tarifa.
Mas é possível fazer diferente.

Em primeiro lugar, é possível pagar menos! Mas não somente isso. Quem paga, e como paga, é uma discussão fundamental. Hoje, não só a tarifa é abusiva e ilegal, como é paga pela parcela mais pobre da população de BH.

É possível, também, começar a discutir outro sistema de transporte, outra cidade, outras formas possíveis de viver. Podemos ter um sistema de transporte que não seja só fonte de lucro para poucos e barreira social para muitos, mas meio de conexão e de construção de uma cidade mais justa.
Outro mundo é possível.

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